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A (in)eficiência da escola no apoio à vítima

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Ilustração: Bianca Braga

No depoimento de Clarice para a nossa reportagem, a estudante afirma que teve múltiplas reuniões tanto com a coordenadora geral da escola quanto com o diretor/fundador da entidade e foi porta-voz da narrativa de suas colegas, todavia a instituição escolar fez pouco caso do relato. “Eu fui, eu falei, contei toda a história, fiquei muito emocionada e comecei a chorar. Mas a coordenadora virou pra mim e perguntou se eu tinha acompanhamento psicológico e eu disse que tinha e que fazia tratamento há quatro anos. Então ela me disse que eu deveria focar mais no meu psicológico do que com o trauma dos outros, que eu não devia estar pegando a luta dessa menina para mim”, relata Clarice sobre seu primeiro contato com a coordenadora geral de sua escola.

Além de demonstração de desinteresse, o colégio também a fez enfrentar situações constrangedoras como ela mesma descreve quando fala sobre a segunda reunião que teve com a coordenadora geral e a psicóloga do colégio, desta vez, a estudante foi com outras três meninas, incluindo uma delas que tinha sofrido assédio: “Nessa reunião o que eu mais me lembro é da coordenadora geral pedindo pra menina que foi assediada reencenar como ela tinha sido assediada pelo professor comigo. Ela literalmente disse ‘faz com a Clarice como ele fez contigo’ e ninguém fez nada”. Após a encenação, Clarice conta que a coordenadora apenas liberou elas e falou para as estudantes não gerarem comoção desnecessária.

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Ilustração: Bianca Braga

A diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Heulália Charalo em nossa entrevista aponta a hierarquização do gerenciamento escolar nas instituições de ensino como principal motivo para a dificuldade de diálogo entre alunos e coordenadores, “Apesar da        De Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9394 de 1996) definir que a gestão das escolas, desde a educação básica até o ensino superior, tem que ser democrática, geralmente a gente observa uma hierarquização muito profunda da gestão, dos professores, dos técnicos, dos alunos. E isso acaba gerando uma estrutura de poder e dominação e propicia aspectos relacionados ao assédio”, afirma a pedagoga.

Ainda sobre educação democrática, a  diretora continua: “Quanto menos democrática é a gestão da administração da escola mais difícil é o diálogo com os alunos que estão na base da hierarquia. Portanto, a gente observa interesses que vão além da perspectiva pedagógica, quando estamos falando de instituições privadas de ensino que tem toda uma relação de mercantilização da educação”. Ou seja, a hierarquia da gestão escolar interfere diretamente nas decisões das vertentes de poder da entidade. Afinal, existe uma eterna busca das instituições de ensino, principalmente privadas, pelas maiores notas em vestibulares e os professores com maior número de aprovações no currículo são essenciais para a conquista de índices maiores e mais relevantes.

“Família”. Substantivo feminino. Significado: Grupo de pessoas que vivem no mesmo teto. Crianças e adolescentes passam a maior parte de suas vidas na escola, estudando, se divertindo, criando laços, como uma família. Muitas escolas utilizam essa palavra para definir seu espaço e comunidade estabelecida ali tanto para os pais quanto nas propagandas, visto que um dos objetivos delas é transformar o ambiente escolar em acolhedor o suficiente para os estudantes se sentirem em casa. Entretanto, apesar da mensagem de acolhimento, a gestão escolar exerce uma prática diferente de sua teoria. Em inúmeros relatos das vítimas de assédio, é possível observar a frequência do descaso de coordenadores e diretores com os estudantes e suas demonstrações de insatisfação com professores. 

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Ilustração: Bianca Braga

"Ela literalmente disse ‘faz com a Clarice como ele fez contigo’ e ninguém fez nada"

Clarice
Porta-voz das vítimas de assédio de sua escola

Esse não é um caso isolado, a história se repete nos prints e nos depoimentos das vítimas por toda a internet. Na maior parte das vezes em que as vítimas foram perguntadas ou contaram sobre o posicionamento da escola diante da exposição do assédio as respostas são majoritariamente negativas, apontando falta de apoio, descaso e desinteresse. Todavia, essa espécie de posicionamento pode induzir a criança ou adolescente a banalizar a própria situação, ou deixar ela se repetir.

Uma pesquisa realizada pela                      em 2017 afirma que cerca de 46,4% dos pessoas entre 12 a 31 anos afirmaram na época que já sofreram assédio na escola, e 58,9% afirmaram que “não ligaram ou agiram naturalmente”. Sendo assim, é evidente o desconhecimento e a banalização dos assédios sexuais causados pelos professores e isso tende a se intensificar quando a gestão escolar decide não investigar ou se isentar diante da denúncia do estudante por qualquer motivo. Mas por que isso acontece? 

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Heulália Charalo
Diretora da Faculdade de Educação da UFC

"Quanto menos democrática é a gestão da administração da escola mais difícil é o diálogo com os alunos que estão na base da hierarquia."

Heulália Charalo
Diretora da Faculdade de Educação da UFC
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Créditos: Site do Colégio Ari de Sá Cavalcante

Um exemplo disso é o Colégio Ari de Sá Cavalcante, como outros colégios focados em preparação para o vestibular, em seu site é possível ver um carrossel com múltiplas fotos, uma delas a que está na foto indica a maior aprovação de alunos não cotistas em Direito na Universidade Federal do Ceará. No restante do carrossel tem outras imagens prestigiando conquistas dos alunos em olimpíadas, outros vestibulares ou cursos e também alguns conteúdos voltados para vestibulares. Então, de certa forma a estrutura da escola e sua hierarquia de interesses interfere na forma como a entidade trata o professor diante de uma acusação de assédio. 

Visto que todas as vítimas afirmaram que os colégios apenas demitiram os professores acusados depois da exposição na internet, é possível observar a preocupação com a reputação da entidade sendo maior que com o estudante que sofreu assédio. Como Heulália Charalo ainda afirma: “Para entender o assédio a gente tem que entender toda essa estrutura escolar de como essa escola se estrutura e como as relações vão sendo construídas”.

“Para entender o assédio a gente tem que entender toda essa estrutura escolar de como essa escola se estrutura e como as relações vão sendo construídas”

Diretora da Faculdade de Educação da UFC
Heulália Charalo
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